sábado, 2 de setembro de 2023

 


Lendo Alberto Manguel ('Encaixotando minha biblioteca'), reflito... a boa escrita supõe dificuldades?

Ou: o sofrimento produz boa arte?

Diz ele que é somente um estereótipo: o escritor faminto à luz de velas não produz, só por esta circunstância, uma obra de qualidade. E que essa crença supõe, por exemplo, que a arte nos faz infelizes. Por exemplo, no livro 'Admirável Mundo Novo', de Aldous Huxley, o Administrador justifica sucintamente a decisão de eliminar a arte da sociedade humana, afirmando que "Este é o preço que devemos pagar pela estabilidade. Temos de escolher entre a felicidade e o que as pessoas costumavam chamar de arte superior. Sacrificamos a arte superior".

De seu lado, os gregos viam a arte e o comércio como incompatíveis: nenhuma das nove Musas se envolvia em transações comerciais, e os negócios no Olimpo eram deixados nas mãos de Hermes, o trapaceiro, deus dos mercados e ladrões, que era o mensageiro de outras divindades. Como os cavalheiros e as damas vitorianas, os deuses gregos não se rebaixavam para lidar diretamente com comerciantes.

Como muitas criações literárias que se iniciam como estalos de gênio e terminam como surrados clichês (por exemplo, Macbeth queixando-se do som e da fúria, Dom Quixote combatendo os moinhos de vento), a imagem do escritor confinado ao sótão foi apenas uma criação literária, nascida sem dúvida para descrever certo escritor em certo momento num poema ou romance há muito perdido.



Foi só isso.

São Paulo, 28 de agosto, 2023.



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